Histórias por Telefone: ‘passistas’ aprisionadas em carro alegórico

Histórias por Telefone: ‘passistas’ aprisionadas em carro alegórico

2011 – Histórias por Telefone: ‘passistas’ aprisionadas em carro alegórico

Histórias por Telefone: ‘passistas’ aprisionadas em carro alegórico

Alexandre Mate

Teatro, como prática coletiva e artesanal, em tese, compreende a junção de um texto – que pode ser criado de diversos modos – e do trabalho do intérprete, por meio de uma linguagem simbólica por excelência. Ainda em tese, o texto pode se caracterizar em ponto de partida ou de chegada do coletivo. De qualquer modo, ele (o texto) tende a manifestar, de modo mais explícito, as ideias da obra. Então, se a polissemia caracteriza o teatro (ele poder ser interpretado de diferentes modos), o discurso textual tende a plantar os pés no chão para a imaginação correr solta Na dramaturgia da cena.

Em tese, textos precisam adequar-se a públicos específicos. Claro que bom teatro é bom teatro, independentemente do público ao qual ele se destine. Há experiências desenvolvidas na contemporaneidade que aprofundam os radicalismos beckettianos: hipertexto, texto como pretexto… A despeito de tantas possibilidades, um texto infantil precisa articular e transitar com certos expedientes: ser premido por ponto de vista infantil, não ser moralista; e, dentre outros aspectos, transitar com imaginação, poesia, ludicidade.

Escrito por Gianni Rodari, com dramaturgia de Pedro Guilherme, Histórias por Telefone, tem no texto seu maior problema. Premido por um olhar adulto, repleto de palavras, valores e comportamentos burgueses, o texto “sofisticado” pouco se comunica com as crianças (e não se trata de subestimar a capacidade das crianças, ao contrário). Tal afirmação ficou patente na apresentação do espetáculo na 6ª edição do Fentepira (Festival de Teatro Nacional de Piracicaba). Seiscentas crianças assistiram ao espetáculo e não ficaram quietas. O espetáculo não lhes prendia a atenção. Poucas vezes as crianças riram.

Tentando dar conta dos problemas do texto, a direção de Carla Candiotto, pelo excesso de efeitos, acaba por “engessar” as excelentes atrizes da Cia. Delas. O espetáculo não se humaniza, assemelha-se a um grande carro alegórico. As atrizes, por certa velocidade do espetáculo, não trabalham com o tempo necessário para as respostas do público (quando as crianças se manifestam). O carro alegórico corre em uma velocidade alucinante. Em meio a tanto imposto norte-americanismo, por que uma professora de inglês? Tentando criar uma imagem poética, em determinado momento, aparecem cavalinhos de um carrossel, mas, diferentemente do modo como crianças costumam agir, as atrizes não “montam no cavalinho”, seguram-nos ao lado do corpo: sem encantamento.

Evidentemente, os méritos da obra, como a potência das atrizes, a caracterização das personagens e o coro das telefonistas (que poderia ser genial, se como na tradição do circo houvesse contraste) deixam de ser percebidas: a direção precisa correr atrás de tantas lacunas do texto… Mas: por que o tempo da Telefonista, ao falar do pai morto, não tem humanidade? Por que Bianchini, em nenhum momento, se emociona ao falar com a filha?

Alexandre Mate é doutor em História Social pela USP, professor do Instituto de Artes da Unesp (São Paulo).

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